segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Sonho Em Ondas




Chamo o sono evocando o mar.
e durmo num azul de placidez...
Em seu imaginário marulhar,
que embala o dormir em liquidez.

Eu amanheço ainda submergida
no delírio; o travesseiro ao lado
são ondas; seguem fluindo vida.
Na íris o sonho já quase acabado.

Nessas vagas, desperto atontada.
O pulsar do oceano sigo ouvindo.
Memória viva de mãos molhadas.
A praia continua aí me sorrindo.

Nos pés: tramas de areia rendada,
espuma desse prazeroso devaneio,
qual lençol suave; pele acetinada.
O frenesi vai em ondas, como veio...


Rosemarie Schossig Torres

Ode Em Reverso



A chaminé que no céu tece
borrões de fuligem repulsiva,
não é aquela por onde desce
o papai Noel; tão inofensiva.

Fera esfomeada, que encheu

e se propagou no firmamento,
vai comendo azul ; cospe breu.
Cobre o horizonte de cimento.

Até a musa se mancha de cinza,

que chamusca, salpica o verso
com o seu novo esgar ranzinza.
Polui as rimas; ode em reverso.


Rosemarie Schossig Torres

sábado, 28 de agosto de 2010

Pedra-Flor


Festim de imagens; delírio.
Ingresso num jardim de pedra,
onde brota de alabastro, o lírio,
que num vergel de jóias medra.

Então pergunto aos meus olhos:
Serão realmente feitas de rubi
essas papoulas? Ou antolhos?
A mente refuta com frenesi...

Imaginação não quer pensar.
Logo afunda em raro ramalhete
de matizadas adelfas a fulgurar.
À sorrelfa espio colorido tapete.

Encarnadas rosas em asterismo,
qual jaspes de sangue tingidos.
Estrelas ásperas fazem tropismo,
vibram pela miragem atingidos.

Mais lá no fundo um girassol,
brilha feito a arca do tesouro.
Áureo, rivalizando com o sol.
Biruta, gira com pás de ouro.

Nuvens de madrepérola e anil.
A multidão de miosótis viceja.
de lápis-lazúli, em pétalas mil,
num canteiro que azuleja...

Vejo pontos vermelho rutílio
entre borrões verde esmeralda.
Há diamantes florindo em brilho
e topázios em ramagem gualda.

O jacinto vegetal se petrifica,
em vulcânica e cristalina gema,
que nesse cenário se multiplica.
Prenda valiosa que orna o poema.

Mas, de repente, tudo se esfuma.
É apenas um sonho esse lugar...
Visão que meu devaneio perfuma.
Foi só alucinação que sumiu no ar.

Rosemarie Schossig Torres

Sonhos Pelo Chão



É muita formiga pra pouco açúcar!
Trabalho demais; prazer de menos.
Fardo-folha nas costas a machucar
e um penar que nunca é pequeno.

E correm, lidam, carregam sem parar.
Criaturas em seus trabalhos braçais.
No batente estão sempre a matutar.
Querem destacar-se entre as demais.

Acotovelam-se por um lugar ao sol.
Anseiam vida boa, cheia de frescuras.
E pintado no horizonte: novo arrebol.
Na mesa farta, milhões de gostosuras.

Mas não é nada assim, pelo contrário.
Elas seus sonhos pelo chão espalham
e vem o graúdo, ser cruel , salafrário
e pisa neles; as formigas só trabalham.

Rosemarie Schossig Torres

Algo Mais Que Um Sonho


Que tão má ilusão é essa?
Depois que se esvai, esfuma,
fica na boca amarga espuma,
choca; de aleivosa promessa.

Leva ao céu; se vai tão depressa.
Faz mirar encantos entre brumas,
para que em seguida tudo suma...
E então num vácuo me arremessa.

Quero algo mais que um sonho.
Chega desse devaneio vazio...
Onde o coração inteiro eu ponho.

Almejo uma ancora ao erradio
delírio; que o triste seja risonho
e o nauta exilado tenha seu navio.

Rosemarie Schossig Torres

domingo, 22 de agosto de 2010

A Noite É Uma Criança


Estou só; madrugada avança.
Você sumiu; ficou a promessa.
E essa noite qual uma criança,
que vai me pregando peças.

E em papel tinto de nanquim,
bóia a lua - foice feita de lata.
E já não sei se é fugaz farolim
ou pirilampo; ilusão de prata.

Espero...quando você vem?
Espiono as Três Marias, irmãs
atrás da moita, que é nuvem,
se escondendo da Aldebarã.

Deliro de vez; é a nebulosa
de Órion, fábrica de estrelas.
E nem estou mais ansiosa...
Já passou... Só quero vê-las.

Rosemarie Schossig Torres

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sonho Em Paralelo



Por que falar de flores?
Se ao cruzar o jardim,
eu vejo ruas sem cores
e nem sinal de jasmim.

Talvez invocar a beleza,
essa que é ultimamente,
muito amiga da tristeza,
seja saída válida,coerente.

Pois se entre os espinhos,
vive a rosa sem sangrar...
O poeta entre descaminhos
pode, em rimas suas, florear.

Por que não evocar o belo?
Se nas entrelinhas da dor,
desliza o sonho, em paralelo
contradizendo o desamor.

Se existem fealdades e lírios,
cantar formosura é falsidade ?
É mágico, em poéticos delírios
vicejar ; poetar nova realidade.

Rosemarie Schossig Torres

Porto De Quimeras


Atracou quase morto o coração,
em porto de quimeras; seu amor,
ave sincera, aterrissou na ilusão;
o que era firme virou fugaz torpor.

Contumaz tentou a última proeza:
Almejou tornar amável o egoísmo.
Como fosse praticável rir a tristeza.
Perdeu o chão; caiu alma no abismo.

Triste, no ostracismo, lançou ao mar,
suas redes de solidão; feito garrafas,
mensagem derradeira; queria amar.
Mas voltaram vazias as suas tarrafas.

Hoje tem a amplidão por companhia
e a canção das ondas, em seu ir e vir.
Olha para o céu; ser gaivota queria...
E impassível, saber chegar e partir.

Rosemarie Schossig Torres

Rainha Dos Pilantras

Parabéns marinheiro de primeira vadiagem!
Fingias tomar um café; indo da ‘’mina’’ atrás.
Saístes tosquiado ; lã falsificada; maquiagem.
E tu, infeliz! O lobo novato, passado prá trás.

Ao fim, tua princesa era rainha dos pilantras,
Que te abandonou suando, sozinho e a frio...
Não colou nenhum dos teus infalíveis mantras.
E daí caístes de gaiato do cavalo. Ou do navio?

Saiu bem caro esse café e ela te depenou todo.
Largou-te nu, em pelo, e sem nenhum tostão
Caído, lá na rua dos otários, no meio do lodo.
Levou tua carteira. Quem sabe, talvez o coração.

Rosemarie Schossig Torres