terça-feira, 27 de abril de 2010

SURDINA...




À surdina as rosas florescem

sem um jardineiro ao seu lado.
Silenciosamente elas crescem,
vingando-se da falta de cuidado.

Sem ruído brotam seus espinhos.
E sem aviso prévio, num repente,
em trincheiras, intricados ninhos,
o vergel se alarga inesperadamente.

E num roldão, vai comendo o mato,
desgovernado emaranhado de flores,
que despojado de carinho ou trato,
pinta o agreste de imprevistas cores.

Jardim improvisado, ambulante,
que mesmo desprovido de pés,
vai ganhando estrada, a seu talante,
e não poupa nem os igarapés...

Rosemarie Schossig Torres

Equilibrista De Bengala





Sou equilibrista de bengala.
Por uma corda bamba oscilo.
Quando a vida é alça sem mala,
peço as lágrimas do crocodilo.

Mato cada dia o tempo perdido,
resgatando velhas idéias do limbo.
Escrevo textos dedicados ao olvido,
que caducam com o meu carimbo.

Nas horas em que foge a decisão,
invisto no cara ou coroa acabrunhada.
Afogo no mar da dúvida; irresolução.
E acabo sempre ancorando no nada.

Lugar ao sol; quero fugir do abandono;
desfrutar da boa companhia, colo macio.
Mas na hora do bem bom, caio no sono.
E quase sempre desemboco no vazio...

Rosemarie Schossig Torres

Noite De Ano Novo Sem Graça


Noite de ano novo sem graça:
urubu na sopa de lentilhas pousou;
champanhe que chocou na taça...
Ainda por cima meu peru azedou.

E o coração caiu em desgraça...
Em enxurradas de tristeza se lavou.
O inferno por osmose senta praça
na alma de quem desmoronou.

Por um alçapão no Hades entrei.
Jardim de fantasmas vislumbrei...
O mundo reverso; pernas pro ar.

E entre fétidos miasmas andei...
Salvaram-me aqueles a quem amei
e a poesia que sempre foi meu par.

Rosemarie Schossig Torres

Será Tarde?

Tirei do baú sonhos adormecidos
e os levei para tomar sol.
Querem despertar. Será tarde?

A maturidade já chegou...
A alma é chama que arde.
Lume e casa da menina eterna.

As asas de um pássaro fénix
batucam em meu peito,
ao compasso do coração.
Não querem ser só tic-tac...
Querem viver...Será tarde?

Aí, sou como o coelho de Alice...
Corro com o tempo nas mãos,
enquanto ele gira contra mim.

Já deram corda na bomba relógio.
Aceleram os ponteiros...vilões.
Busco valer as horas que me dão.
Então, me abraço à poesia,
ainda que seja tarde...

Rosemarie Schossig Torres

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Verdugos Do Amanhã

Estão desconstruindo a paisagem.
Vão desmontando o horizonte.
E quase vendem o céu; grilagem
nas estrelas; lotearam meu monte.

São algozes, verdugos do amanhã.
Cuidado com as suas maracutaias!
Seus conluios escusos; atitude malsã.
Um tal de abre pernas; levanta a saia.

E vão roubando a comida da boca
dos que só tem fome; dos deserdados.
O melhor mesmo é dormir de touca,
com um olho aberto e o outro fechado.

Você da esquina! Mantenha-se a salvo.
Aconselho o uso regular de armaduras.
As balas perdidas treinam tiro ao alvo.
Nas ruas até a confiança está insegura...

Rosemarie Schossig Torres