quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Doce Obsessão

Abro a porta que dá para a rua.
No rosto um sopro de ar frio,
mas não sinto nada...
Mil palavras giram na mente,
eclipsando todos os sentidos.

Um pássaro canta na janela,
mas não ouço nada...
Em pensamento recito mil poemas.

Meu filho me pede algo.
Não lhe respondo.
É que no coração
bate um soneto por minuto.

Palavras
são uma doce obsessão...
E o universo:
um punhado de versos por dizer.

Rosemarie Schossig Torres

domingo, 20 de dezembro de 2009

MUSA-LUA






Vejo a lua. Meu coração conquista.
Ladra do sol, avesso do alquimista,
que torna o raio de ouro em prata
e foge com ele pela avenida Láctea.

Musa selenita de tantas fragrâncias.
Par de minha deusa da inconstância.
Às vezes pródiga; outras, difusa.
Primeiro me dá, depois recusa.

Busco-te. Onde está ambígua diva?
Vaga idéia, de claridade evasiva.
Meus olhos revistam o meridiano.
Na escuridão vejo o sabre otomano.

Flash de menina entre a penumbra.
A folha vazia quase não alumbra.
Deixa no céu teu rastro turquesco
Imprime no verso alento fresco.

A foice ganha outra faixa. Crescente.
Fulges um pouco mais. Adolescente.
Mas o sortilégio ainda não entregas.
Vão clareando as faces negras...

Teu brilho de repente, me adora.
Uma esfera plena; minha senhora.
Então escrevo como quem ama.
Estás comigo. Rimas o céu derrama.

Iluminando em sentido contrário.
Sopra ao redor um vento falsário.
Partem-se ao meio os esplendores,
Tu já tiveste dias bem melhores...

O facho arde em quarto e… nada.
Agora me odeias... Enfadada.
A lâmpada dos astros se apaga.
Apontas para o exílio. Aziaga.

O ciclo encerra e recomeça.
Extremos da mesma peça.
Gêmeos em direção antagônica.
Hoje lauda farta; amanhã lacônica.

Indiferente a qualquer rogo
Impõe suas marés; seu jogo.
E a marionete se move,
fluxo e refluxo, que chove.

Ondas em um vaivém...
Às vezes aceito o que vem.
Ou a paciência é quem perde.
Na boca amargo versos verdes.

Rosemarie Schossig Torres

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Torrão De Açúcar


Atrás do muro
quebrando o silêncio
grita um rumor

Entre a sombra
a luz que escorrega
rasga as trevas

Porta fechada
traz no bojo uma chave
louca pra abrir

Fio da lágrima
carrega gota de mel
que quer sorrisos

Do meio do caos
desponta um corredor
rumo ao norte

do mar de penas
nasce uma tábua
livra náufragos

Chão de exilado
tem sementes de sonho
que urgem brotar

Na gota de fel
um torrão de açúcar
fim do amargo

Rosemarie Schossig Torres

ANJO



De asas rotas, ambiguo Serafim.

Foi cair justo no meu jardim,

ao tropeçar na cauda de um cometa.

Tem mais dilemas que fé na maleta.

E agora eclipsa nossa mente

com o seu mirar demente.


Querubim, auréola de metal,

decaído e hoje é mortal.

Possui coração falso, de resina

e uma voz de sereia, que alucina.

O sorriso é enigmático, de pintura.

Mona Lisa que saiu da moldura.


Serafim banido, exilado.

Imperfeito e desastrado.

Não é deste mundo...

Seus olhos arregalados e fundos,

vêem tudo, não entendem nada.

Nosso planeta é sua charada.


Anjinho travesso. Fugiu do céu,

pois no Édem armou um escarcéu.

Tudo porque não crê no inferno.

Duvida da perfeição e do eterno,

desconhece o que seja pecado.

Por isso se sente tão deslocado.


De asa partida, preso na terra,

ainda procura o Paraíso.

Busca na praia e na serra.

Vai aonde for preciso.

Como não pode mais voar...

Minha casa já é o seu lar.


Rosemarie Schossig Torres

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Versos Com Sabor

Há versos sabor pecado
provocantes
que despertam desejos proibidos

versos sabor veneno
ambíguos
que levam por escuros labirintos

versos sabor loucura
insanos
que fazem delirar

versos salgados
que chegam em garrafas
trazidos pelas ondas do mar

versos doces
como favos de mel
erguidos com palavras de amor

versos amargos
linhas de puro fel
bilis destilada pelo dissabor

versos ácidos
versos olor a limão
berço de emoções oxidadas

E há os versos agridoces
feitos com dois sabores
meio acúcar, meio vinagre
de um poeta com humor volátil

Rosemarie Schossig Torres

PRIMAVERA



Que chegue a primavera!
Ainda que manca de uma perna,
em pedacinhos de céu
ou pétalas dispersas.
Mas que venha...

Apareça esperada alegria!
Nem que seja miúda,
pequenas migalhas de riso,
na boca de dias desdentados.

Estamos cansados deste inverno,
que nunca tira férias.
Devora nossos verões
e põe os sonhos para hibernar.

Com a alma grudada na janela,
espero o raio de sol,
que derreterá o iceberg
de horas sem cor
e flores de plástico.

Rosemarie Schossig Torres

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Flores Que Invadem Poemas


Quando formigam as cicatrizes,
entrincheiro o coração com flores
e desvio os pensamentos infelizes.
A alma dribla mofados dissabores.

E pelo ar vou com pétalas cor rubi,
em planícies de sonho, sem temor.
Conclamo rimas que não são daqui.
Tempero as odes com verde frescor.

Bálsamo que enleia a dor temerária,
invadindo a noite. Talvez alva dama,
o seu perfume doe, essência solidária,
que sobre minha madrugada derrama.

Arte de poetas é uma joalheria delicada.
A musa-flor venero. Aprendo seu estilo.
Os cravos me emprestam a lira inspirada.
E exóticos elixires em meu verso destilo.

Vi nenúfar aquático em seu oculto esteiro,
com um róseo rastro, lótus dos olvidados.
Sem pés, bandeja de água por seu canteiro.
Ninféia que bóia em meus olhos cansados.

Perpétuas: lembrança do amor que passou.
Com sempre-vivas aflições já faço bromas;
as antigas amarguras que o tempo adoçou.
Hoje cauterizo feridas com novos aromas.

A estrela branca em meus abismos brota.
Lume argentino banha desertos nevados;
edelweiss prateando a paisagem ignota,
tomba na página qual cometa despetalado.

A margarida sem jardim, o sublime aleli,
a prima pobre; a que cresce em palácios .
Todas as fragrâncias, sândalo e patchuli,
enredam na poesia os generosos braços.


Rosemarie Schossig Torres




segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Invenção Da Beleza


Cerrado, entre pantanal e chapadão,
dos pés tortos de um bacupari anão.
Quintal de buritizais e pequizeiros,
do ipê-amarelo e agrestes cajueiros.

Flor anônima que enfeita os escolhos,
e a quaresmeira arroxeando os olhos.
Aquarela invisível dá cor à paisagem,
e os tons do arco-íris: sua maquiagem.

Ninguém olha a caliandra, rosa silvestre,
que o vento bordou no chão campestre.
Um ecossistema a protege com sua rede.
Chuva e orvalho é que lhe matam a sede.

Graça indômita que encara o depredador,
resistindo ao fogo e ao homem no trator.
Este é o mistério divino da mãe natureza,
cujo sopro inspirador inventou a beleza.

Rosemarie Schossig Torres

domingo, 13 de dezembro de 2009

O VÔO KAMIKAZE DE ÍCARO



A imaginação é combustível, carvão.
Fogo místico que alimenta a chama,
lume criador da divina inspiração.
Aviva a idéia que o verso derrama.

Devaneio, fogueira que me incendeia.
Salva da solidão e contorna o abismo.
A mente trota nas nuvens sem correia.
O corpo, relegado, vaga no ostracismo.

Cruzo tempo e espaço. Vou no vento.
Veículo que conduz ao céu. Mais prá lá.
Sem lei da gravidade. Só em pensamento.
Um guia ao horizonte perdido, Shangri-lá.

Nau para sair do ermo; criar novo arrebol.
Ao zênite cheguei com o quixotesco elmo.
Sou Ícaro em vôo Kamikaze, rumo ao sol.
Volto a bordo dos raios azuis de Santelmo

Rosemarie Schossig Torres

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Serra Azul




Ledo engano dizer que és azul.
É um equívoco nomear-te serra.
Já que, de fato, não passas de cerro,
ou uma pequena elevação, monte.

Teu anil só na linha do horizonte,
onde o firmamento beija a terra.
Então, apenas sob o sol ardente,
é que as duas cores se abraçam.

Somente aí, verdejante serra,
vemos que tens a cor do céu.
Será miragem, ilusão de ótica?
Ou apenas licença poética...

Rosemarie Schossig Torres