terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Ode À Falta De Inspiração



O céu escurece,
é a lua minguante,
que a seu talante,
secou as leveduras,
matou minhas criaturas,
e a idéia emudece

Estou na maré baixa
verbo com desidratação
falta de inspiração
é a mente que se cala
o pobre poeta resvala
Nada se encaixa

Palavras longe da poesia,
voam tão alto...
o escritor em sobressalto
nada contra a corrente
pensamento ausente
triste página vazia...

Rosemarie Schossig Torres

sábado, 23 de janeiro de 2010

JARDIM SIDERAL





Vejo em um jardim sideral,
a radiação de misterioso astro.
Estrela voraz, luz mortal;
admiro seu eclipse de alabastro.

Quero os chafarizes brilhantes,
gêiseres de ácido, sulfurados,
de alegria fugaz, diamantes,
queimando os olhos, ofuscados.

Navego pela abóbada celeste
de planetas ermos
e visito o deserto agreste,
lar de duendes enfermos.

Neste mar morto,
campo santo de tíbias e caveiras,
ossuário de piratas; último porto,
ancoro meu coração sem fronteiras…

E compartilho taças de peçonha acre
com fantasmas de idéias;
sonhos extintos num massacre,
quimeras feridas, cheias de morféias.

Vagueio por uma galáctica nação.
A multidão me ignora.
Prefiro a companhia da solidão,
amiga, que me adora.

Rosemarie Schossig Torres

domingo, 17 de janeiro de 2010

Musa Caduca Da Agonia

Se tu tens que vir dor...
Venhas de cânfora untada.
Garras de veludo amortecedor.
E de pelúcia a tua punhalada.

Com doce dilaceração,
arranhe-me teu fel.
De luva a tua vocação;
ao meu talhe sejas fiel

Se tiveres que me amar, dor,
que seja de mal grado...
Paixão breve, sem ardor;
brasa tíbia, fogo cansado.

Afrouxe os laços, inimiga...
Tua amnésia venha me socorrer.
Omissão que abriga.
E te esqueças do ofício de doer.

Quando tudo for inútil...
O tempo advogará a meu favor.
Então serás traste oco e fútil
e te direi: perdestes o vigor!

Agora és página virada.
Já andei por teu império.
Conheço teus truques, jogadas,
perdestes o poder do mistério.

Antes que fechem as portas,
beije musa caduca da agonia,
mesmo que seja em linhas tortas,
em minha pele cansada uma poesia.

Rosemarie Schossig Torres

sábado, 9 de janeiro de 2010

Por Umas Janelas Abertas...


Janelas abertas. Irresistível galeria.
Aí entram raio de sol. Bala perdida.
Vida e morte em flutuante romaria.
É válvula de escape para o suicida.

De braços abertos o acolhe, o vento,
moinho que gira o tempo, tudo muda.
Por onde vem a musa com seu alento,
trazendo música que alma desnuda.

Persiana que encerra o horizonte.
Desvão por onde o ladrão se esquiva.
E o sonhador faz do arco-íris ponte,
enlaçando nuvens e delírios à deriva.

Palco perfeito para alva e crepúsculo,
que diariamente se exibem, sem reprise,
nesse painel gigante, quadro maiúsculo,
fazendo um inquebrantável strip-tease.

Os olhos saboreiam matizes inesquecíveis.
Mil cores em mesclas esplendorosas.
A imaginação solta suas tranças invisíveis.
Os pés querem passear nas nebulosas.

Detenho pedaços desse amplo panorama.
O espaço se enquadra nas retinas.
Enlaçada em tão impalpável trama,
vôo ao sabor de sensações cristalinas.

Absorvo quimeras atreladas ao cenário,
que distingo nas entrelinhas do infinito.
Por este telão vislumbro um alheio itinerário.
Para mais além de minha serra azul gravito.

De um só golpe as janelas se fecham,
deixando pela metade esta utopia.
As imaginações sem sua âncora erram.
Adia-se o sonho para um outro dia...


Rosemarie Schossig Torres

domingo, 3 de janeiro de 2010

Nas Cinzas Do Tempo Que Perdi



Nas cinzas do tempo que perdi,
ficaram enterrados
os pequenos gestos;
aqueles que ninguém notou.

Também ficou pra trás
o pensamento sonâmbulo,
que segue vagueando ao azar,
sem jamais encontrar repouso...

Transitando em oculto desvão
vigiam as noites insones,
onde um simulacro de mim,
divaga de olhos sempre abertos...

Em marés de tempo perdido
agonizam os poemas,
que deixei de escrever;
os que se afogaram
nas ondas de idéias vãs...

Rosemarie Schossig Torres

sábado, 2 de janeiro de 2010

Canção De Ninar Para Uma Rosa



A rosa ao vento se despenteia.
Cabeleira agitada no ar glacial.
Qual rubras centelhas, as melenas
caem em procissão.
Pétalas vermelhas, um filão
sem sangue nas veias.
Veste cor invernal.
Rosa lívida em trajes de açucena.

Gota a gota foi dessangrando
a seiva em torrente carmim.
O mundo está em rebuliço;
Vergel convertido em deserto;
coração a céu aberto.
Voz embargada vai rogando:
Que ressuscite o jardim!
Rosa anêmica. Perdeu o viço.

Plantada no meio do nada
com os espinhos, e mais ninguém,
ela compartilha amarguras de flor.
A tristeza de repente falece
É um doce canto que aparece,
faz a alma sentir-se ninada.
Adormece como um neném.
Rosa acariciada recupera a cor.

Abre os olhos. Vê seu novo amigo,
Ave sem teto nem guarida.
Ainda implume; um passarinho,
que traz nas asas sua canção,
e na garganta um sol, rincão,
onde a alma encontra abrigo.
Com ternura, das pétalas caídas
a Rosa feliz lhe faz um ninho.

Rosemarie Schossig Torres