sexta-feira, 30 de julho de 2010

Poetisa Virada Ao Avesso


Já não ouço bem o tique-taque
pulsante do horizonte...
Escondeu-se atrás do monte,
turvo, do cotidiano de araque.

Mudanças no cenário, que se esfuma
ou as minhas retinas escureceram?

O azul tem gosto de absinto...
O verde já não refresca os olhos.
Cresce um jardim de abrolhos
na garganta, que é labirinto...

As cores se decompõem em brumas
ou os meus sentidos entristeceram?

Então, cada pisada é um tropeço.
Caí num ardil; meu próprio laço.
E as palavras são o descompasso
dessa poetisa virada ao avesso.

Tudo ao meu redor se desapruma.
Vou à flor da pele; quimeras se perderam...

Só ficou o templo que as esperanças alçaram...
Na expectativa de chegarem mudanças boas.
Enquanto isso vou escrevendo novas loas
pra chamar de volta os sonhos que sumiram.


Rosemarie Schossig Torres

CRUEL




De vez em quando...
Cutuco as cicatrizes em mim.
Vou sua memória purgando...
Serão feridas fechadas por fim?

Testo a resistência dos receios,
duelando com os pesadelos
e futuras tragédias enleio...
Por antecipação sofro; desvelo.

Volto a buscar velhos vícios,
para ver se estão mesmo mortos...
E aquela propensão ao sacrifício?
Tateio todos os meus lados tortos.

Olho meus retratos antigos.
Quero saber se doem ainda.
Revirando os baús sigo.
Percorro minha alma infinda.

De vez em quando...
Comigo mesma sou cruel.
Vou explorando, devassando
desejos ocultos, lambo meu fel.

E diante do espelho:
Encaro o imperdoável em mim...
Para sentir o sabor amargo, velho,
de ser eu mesma; de ser assim.

Rosemarie Schossig Torres

terça-feira, 27 de julho de 2010

Futuras Flores De Amor





Criança é pequenina semente...

Umas florescem aleatoriamente

e vegetam nos quintais das ruas;

sem jardim crescem; infância nua.


Outras alminhas mais afortunadas,

plantinhas cuidadosamente regadas,

que em belas estufas recebem calor,

para serem futuras flores de amor...


Menino descalço, sem nenhum canto,

já aprende as lições do desencanto.

Adulto mirim, sem direito à meninice.

Não conhece o riso, nem a criancice.


Jardim da infância: escola do afeto,

pudera para todos servir de teto...

Aconchego, lugar para bem florir.

Coração feliz pronto para o porvir.


Rosemarie Schossig Torres


segunda-feira, 12 de julho de 2010

Musa De Quatro Caras






São quatro as luas; vários semblantes,
que exibem faceiros suas alterações.
Imã das marés e farol dos navegantes.
Do seu brilhar brotam versos e canções.

Musa de tantos poetas; diva controversa.
Da tua aura mutante saem loucos poemas,
que o bardo, à dúbia meia-luz, tergiversa.
Disseminas menos certezas; mais dilemas.

Às vezes veste a sombra; depois plena de luz.
Pode ser elegante ou gordinha; quase some.
Cada cara tua uma alma diferente transluz.
Mas não importa: lua será sempre teu nome.


Rosemarie Schossig Torres

O Oficio Da Poesia

No vendaval dos meus tropeços
pedra chega antes que o caminho.
Assisti a sorte virando do avesso.
Busquei a saída; achei o espinho.

Procurei nas metáforas um alento.
Palavras bonitas que diminuíssem
a dor, mitigassem meu sofrimento.
Se as alegorias por mim sentissem!

Em palavras troquei cada aflição.
E mil sinônimos criei para agonia.
Trocando os nomes da emoção,
me distraí no atalho; quem diria!

E o tempo na ampulheta escoou.
Foge dos meus pés o precipício.
Ainda não sei o que me salvou.
Mas fiz da poesia o meu ofício.

Rosemarie Schossig Torres

Verso Aventureiro

Com dita de verso aventureiro,
igual inaudita pérola peregrina,
o meu poema segue a sua sina.
Vai buscando rumo alvissareiro.

Qual um anjo pedestre; sem asas,
estro que foi um espelho d’água,
hoje não passa de poço de mágoa,
só refletindo escuras idéias rasas.

Da lua ganho apenas frio eclipse;
do sol herdei tórrido ofuscamento.
Palavras emudecem numa elipse.
Lapso que corta meu pensamento.

Espero que funcione famoso refrão:
‘’Nada como um dia atrás do outro’’
e ao virar o calendário, mude noutro
o destino que ora é só estagnação.

Rosemarie Schossig Torres

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Iluminar A Escuridão



Terra de ninguém, inferno de todos.
E o céu tão distante, entre brumas,
qual véu difuso, esperança esfuma.
E ficamos tateando às cegas no lodo.

A gente, entre esperança e engodo,
anela que ao fim, tanta aflição suma.
E sem mais dores, o peso em pluma
se torne ; venha a paz com denodo.

Olhando lado a lado, anseios iguais.
Resta a último recurso: dar as mãos,
trilhar juntos os caminhos desleais.

Vislumbrando no futuro promissão;
driblando abismos, tropeços fatais.
Venha o sonho iluminar a escuridão!

Rosemarie Schossig Torres